terça-feira, 2 de novembro de 2010

O circomóvel

Eu, sinceramente, não entendo por que as pessoas teimam em preferir os automóveis. Muitos me disseram: é o meio de transporte mais rápido. Convenhamos, nessa loucura de vida moderna, onde o tempo é cada vez mais escasso, perder minutos preciosos no trânsito é realmente complicado. Mas, para que serve o planejamento prévio? Se eu sei que preciso estar em algum lugar em determinada hora, será que é impossível levantar 30 ou 45 minutos antes e ir para a parada de ônibus? Então, esse argumento só tem meia validade. É verdade que às vezes estamos apressados e, nesses casos, infelizmente, o ônibus não resolve nosso problema. Tirando a questão do tempo, que é relativa, há outros argumentos que corroboram em favor dos coletivos. Imaginem se as 40 pessoas que estão viajando decidissem cada uma, tirar seu carro da garagem. O trânsito que já é caótico nas grandes cidades tornar-se-ia, definitivamente, infernal. A poluição aumentaria, sonora e ambientalmente. Isso tudo sem falar no bolso do cidadão, pois é muito mais econômico pagar a passagem que bancar a gasolina ou o etanol consumido pelo automóvel. Há ainda o risco de acidentes, de eventuais multas, o trocado para o flanelinha, o seguro, a manutenção do óleo, a troca dos pneus, das pastilhas de freios, da bomba de gasolina, etc. A lista é longa e, decididamente, manter um carro rodando sai caro. Esses fatores que acabei de suscitar são, mais ou menos, consenso geral. Embora não optam pelo uso freqüente do ônibus, a maioria das pessoas tem consciência que a utilização do automóvel é mais cara, mais perigosa e mais daninha ao meio-ambiente. Entretanto, há uma coisa que poucos se atinam: o verdadeiro circo aberto que é andar em um ônibus.
Nunca sabemos quem sentará ao nosso lado. Muito possivelmente um rosto estanho e que ao descer no seu destino, continuará a nos ser estranho. Mas pode ser ao contrário. Falo isso por experiência própria ou por histórias verídicas de amigos meus. A pessoa que está ao seu lado, pode ser uma futura amiga, ou apenas uma boa parceria de mesa de bar, até quem sabe, se o destino for caprichoso, possa vir a ser uma namorada. Aconteceu com um amigo meu! Se nada disso acontecer, pode simplesmente render uma boa prosa até a parada final, isso por si só paga a viagem. O circo itinerário chamado ônibus, trata-se também de um espetáculo onde é possível escutar histórias engraçadas, tipo aquelas que contam os palhaços no picadeiro, ou dramas que de tão penosos e desafortunados, são também jocosos. Quero abrir um parêntese para relatar um diálogo entre duas comadres que presenciei há alguns anos quando me dirigia à universidade.
A senhora que aparentava ser mais velha, por volta dos seus 70 anos, comentou: “Maria, você não sabe a desgraça que se abateu sobre mim. Estou cada dia pior. Doem as pernas e aquela dor de cabeça voltou mais forte dessa vez. Já não consigo dormir bem, tomo três remédios e o martírio não acaba.” A outra responde: “Comadre, isso não é nada. Quem me dera se minhas aflições fossem só essas. Estou sofrendo com a pressão alta, fui ao médico e ele diagnosticou que tenho problema na tireóide, para piorar estou muito estressada. Meu caçula esta aprontando demais e não quer saber de estudar. Eu tomo seis remédios, diariamente, e minha aposentadoria quase não alcança tudo”. As duas simpáticas anciãs estavam competindo para ver qual era a vida mais sofrida. Cada qual pondo ênfase em sua tragédia. Quando uma desceu em frente ao mercado público, se despediu vociferando: “nos vemos sexta-feira no baile da terceira idade”. Enfim, a desagradável conversa de minutos atrás havia sido esquecida e ambas estavam dispostas novamente!
Após esse circunlóquio, continuo a minha defesa em prol dos ônibus. Eles, diferentemente dos automóveis, estimulam a coletividade. Os carros, egoístas e individualizados, isolam as pessoas e não permitem interação de qualquer natureza. Em tempos incertos, onde o amanhã parece distante, afigura-me pertinente essa questão. Afinal, um bom espetáculo circense sempre nos alegra a alma.
Por último, quero, através da minha humilde experiência de mochileiro, falar que aquele que se dispõe a tomar um ônibus, encontra-se em uma posição mais elevada que os demais usuários de carro. Ora, por ser mais alto, o coletivo permite uma visão panorâmica da cidade. Pode-se vislumbrar paisagens inusitadas, contemplar o nascer ou o pôr-do-sol, olhar os transeuntes de cima para baixo, perdendo-se nas mais diversas lucubrações. O circuito percorrido passa por ruas que normalmente, de automóvel, o sujeito nunca visitaria, privando-o assim de desbravar o próprio lugar onde mora. Se é grande a vantagem de se usar o transporte público frente aos particulares, por que teimamos em não fazê-lo? Comodismo, alguns apontarão, já outros, que o culpado é a lógica capitalista, que fomos condicionados historicamente a pensar e a agir individualmente. O debate dá pano para manga, mas isso já é assunto para o próximo texto.

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