terça-feira, 2 de novembro de 2010

Cem anos de vida

A cidade estava mergulhada em um silêncio lúgubre e intimidador. Lá longe se escutava a sirene de uma ambulância, ou seria de uma patrulha? O luar penetrava sorrateiramente pelas frestas da persiana. O tic-tac do velho despertador era o único som que ecoava pelo quarto. Áquela hora, passarinho já não mais cantava, gato não miava, telefone não tocava. Sob a cômoda repousava um copo vazio. Na cama, o homem remexia-se de um lado ao outro. O sono não vinha. Era noite de seu aniversário. Fez esforço para lembra-se de quantos anos estaria completando. Ah, 100 anos! E um sorriso tímido esculpiu-se em seu rosto. Nunca pensou que chegaria a essa idade, muito menos com tamanha lucidez. Se a saúde já não era a mesma, a cabeça nunca esteve melhor. Algumas falhas de memória, ora... isso eu tenho desde jovem, pensou. Naquela noite, em especial, estava feliz. São poucos que chegam a um século de vida. Orgulhava-se. Mas, não conseguia dormir. O corpo ainda frenético, as pernas cansadas, o quadril contraído, a boca seca. De súbito, tomou consciência. Ah, não é meu centésimo aniversário! Quantos anos serão? 70, 50,não, menos. 40 anos, claro! Tenho Certeza! De repente, um desdém preencheu seu coração. Já não estava feliz. Uma lágrima esboçou cair de seus olhos. Conteve-a por orgulho. Oscilando na vigia entre a sanidade e a insensatez, entregue às lucubrações, afundou sua calva cabeça no travesseiro. Dentro de poucos minutos o sono o alcançou e, por fim, pôde dormir. Não tardou muito para despertar. Eufórico e lutando contra as pestanas que teimavam em permanecer fechadas, sentou-se à beira da cama. Nesse momento, sentiu uma mão gélida repousar em seu ombro. Assustou-se. Uma voz doce que lembrava uma harpa sussurrou ao seu ouvido: Seu Antônio, esta na hora de tomar seu remedinho! Olhou confuso para a linda moça de branco. Daí, o estralo. Lembrara-se que estava no manicômio.

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