sábado, 6 de novembro de 2010

Caixão não tem gaveta

Há poucas coisas que desprezo mais do que aquelas mensagens encaminhadas por e-mail. Vocês sabem quais. Todo mundo já recebeu uma miríade delas, se não mais. Abrimos nossa caixa de entrada e lá estão. Pode ser uma sequência de slides, com imagens de flores e cachoeiras, com um fundo musical melancólico, contendo algum pensamento distorcido de um filósofo ou líder espiritual, ou talvez, na forma de um texto mal-escrito, cheio de erros gramaticais, com alguma liçãozinha de moral no final. A verdade é que essa febre já se alastrou por toda rede virtual e, o pior de tudo, é que tem pessoas, e não são poucas, fissuradas em praguejar esses vírus. Alguns devem estar se perguntando por que toda essa indignação. Não procurarei argumentar meu ponto de vista, nem usarei os muitos casos de plágio, de frases mal alteradas, de estatísticas equivocadas a meu favor, apenas vou reafirmar, eu não gosto e ponto. Na verdade, nem motivo teria para estar aqui escrevendo essas palavras. É só selecionar e excluí-las diretamente, nem precisa abri-las. Opa! Mas então por que todo esse circunlóquio? O que quero dizer, contudo não disse ainda, é que minha intenção não é convencer o caríssimo e paciente leitor que essas mensagens não valem o tempo desperdiçado. Essa introdução foi feita para me auto-contradizer. Sabe quando você xinga um jogador de futebol, chama o técnico de burro e pede para substituí-lo e, antes de subir a plaquinha indicando sua saída, ele vai lá, dribla três, chuta no ângulo e marca um golaço? Isso aconteceu exatamente comigo. Eu, que nunca leio esse tipo de e-mail, que sempre os mando para a lixeira sem pestanejar, resolvi abrir um. O título me pareceu sugestivo: “Viver ou juntar dinheiro?”. É possível que muitos dos que estejam me lendo agora, também o tenham recebido, mas, enfim, preciso reconhecer que foi dele que adveio minha inspiração para escrever essa crônica.
Alguém sabe quanto uma pessoa economizaria, em quarenta anos, se deixasse de tomar um cafezinho por dia? A quantia de 30 mil reais! Não me propus a fazer nenhum cálculo para comprovar a veracidade de tal número – assim estava no e-mail, estou somente reproduzindo-o, mas tomamo-o como sendo mais ou menos preciso. Pensei comigo mesmo, eu que tomo quatro pingados diariamente, estou abrindo mão, quando chegar aos quarenta anos, de comprar minha casa própria. E segui a reflexão para mais além. Se parasse de comprar livros, não os técnicos que necessariamente utilizo, mas os romances que leio simplesmente pelo fato de gostar, eu provavelmente poderia somar à casa, um carro novo na garagem. Se largasse a rotina de sair aos finais de semana para tomar aquela cervejinha com a galera, poderia agregar uma piscina no jardim e fazer uma viagem completa pela Europa.
E por aí vai. É possível, seguindo essa lógica suicida, cortar um trilhão de gastos ditos “supérfluos”. Se apertar o cinto pra valer, não tenho dúvida que uma pessoa consiga construir um castelo antes de falecer (deduzindo que tal sujeito morra de causas naturais aos 120 anos de idade). Tudo bem, exagerei! Talvez não um castelo igual àqueles dos filmes hollywoodianos, mas certamente uma réplica bem feita. Mas pergunto-lhes, quem seria o animal irracional que viveria toda uma vida privando-se de pequenos prazeres para quando morrer deixar um império para os herdeiros, ou, na falta desses, construir uma pirâmide faraônica para ser enterrado junto com seu tesouro? Conheço pessoas doentes, compulsivas pelo trabalho, que sacrificam quase tudo pela carreira profissional, outras que são assaz mesquinhas, chamadas popularmente de mão-de-vacas, que se atravessam um rio a nado segurando uma nota de dinheiro, esta chegaria seca à outra margem, porém, mesmo nesses casos, desconheço algum louco o suficiente para abnegar toda uma vida, pensando na riqueza futura que acumularia. Mas ninguém disse para sacrificar todos os prazeres da vida, no e-mail só mencionava o cafezinho. Como sou extravagante por natureza, achei conveniente expandir a análise. O que quero asseverar e, justiça seja feita, essa é a mesma conclusão que chega o autor da mensagem, é que são as pequenas coisas que dão sentido a nossa existência, ou em outras palavras, caixão não tem gaveta, não é assim que rege o ditado?

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