terça-feira, 16 de novembro de 2010

Into the Wild

Mude radicalmente de estilo de vida e comece a fazer coisas que sequer imaginava. Seja audaz. São demasiadas as pessoas que se sentem infelizes e que não tomam a iniciativa de mudar sua situação porque se condicionaram para aceitar uma vida baseada na estabilidade, nas convenções e no conformismo. Talvez pareça que tudo isso proporciona serenidade, mas na realidade não há nada mais prejudicial para o espírito aventureiro do homem que a ideia de um futuro estável. O núcleo essencial da alma humana é a paixão pela aventura. A felicidade de viver provém de nossos encontros com experiências novas e, não há maior felicidade que viver com horizontes que mudam sem cessar, com um sol que é novo e diferente cada dia. Se quer obter mais da vida, deve renunciar a uma existência segura e monótona... seria uma pena não aproveitar este momento para introduzir câmbios revolucionários em tua existência... a felicidade está aí fora, simplesmente esperando que você a agarre. Tudo que tem a fazer é um gesto e alcançá-la. Seu único inimigo é você mesmo. Não pense duas vezes.

Alexander Supertramp

O Sertão tem belezas que não dá pra contar num folheto de cordel

A florada se estende colorido
Às margens de todos os caminhos
Povoados por tantos passarinhos
Que dos ninhos do tempo vão surgindo
Aparecem os raios reluzindo
Entre as bordas desse imenso painel
O gigante galope do corcel
Que na copa do céu vive a passar
O Sertão tem belezas que não dá
Pra contar num folheto de cordel

Cantador se inspira e o verso vai
Desenhando estrada e pondo cor
No lugar aonde vai um cantador
O amor versejado lhe atrai
Vem do Alto e sobre ele cai
Relevando o brilho do anel
Referendo a todo menestrel
Que na terra que canta faz brilhar
O Sertão tem belezas que não dá
Pra contar num folheto de cordel

Abdias Campos 

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A Brasília cor-de-caganeira

O tempo voa. Sempre escutei meus pais dizendo isso todo final de ano que passávamos na casa dos meus avós. Agora, aos 24 anos, sou eu quem repito o ritual. E o curioso é que cada ano passa mais rápido que o anterior. O ano passado se foi como um foguete, esse, como um meteoro. Por mais que se tente retardar o tempo, ele avança para todos, invariavelmente. Para vencermos a nostalgia do passado é que guardamos as lembranças. Nesse sentido, não há nada que se compare com as memórias da infância.
Lembro-me perfeitamente das viagens na Brasília cor-de-caganeira (era exatamente assim que chamávamos). Todo janeiro – isso era tão sagrado como fazer churrasco aos domingos – após passarmos o natal e o réveillon na casa dos meus avós no interior de Santa Catarina, íamos (conjuguei o verbo no plural porque meu padrinho também nos acompanhava) veranear em Itapema, no litoral do estado. Do extremo oeste, abeirando a fronteira com a Argentina, até o Oceano Atlântico, eram nove horas de viagem. Imaginem a odisseia para uma criança de dez anos.
Uma semana antes de chegar o dia, a euforia já havia tomado a casa. Os dias custavam mais a passar e tudo que deixávamos de fazer, sempre acabava com a desculpa que foi devido os preparativos da viagem. Esse momento era a realização familiar. Sair do interior e ver o mar, sentir a aguá salgada e a areia gelada era, indubitavelmente, as melhores férias que alguém poderia vislumbrar.
Na véspera, papai parafusava o bagageiro no teto da Brasília. Levávamos tudo que se possa imaginar: prancha de surf de isopor, cadeiras de sol, caixa térmica para cerveja, bola de futebol, etc. Era tanta bagagem que tínhamos, meu irmão e eu, que nos apertar no banco de trás com as malas que não couberam em cima. Depois de equilibrado o entulho (acho que esse é o nome mais apropriado), papai enrolava uma lona amarela em caso de pegarmos chuva no caminho. Mamãe acordava 15 minutos mais cedo e preparava bisnaguinhas para irmos comendo durante o percurso. Estava escuro ainda quando a família Buscapé partia.
Engraçado que me lembro de muitas coisas da minha vida, inclusive, histórias muito mais interessantes sobre minha infância. Mas devo reconhecer, a Brasília cor-de-caganeira marcou época.

Impossible is nothing!

"Impossible is just a big word thrown around by small men who find it easier to live in the world they've been given than to explore the power they have to change it. Impossible is not a fact. It's an opinion. Impossible is not a declaration. It's a dare. Impossible is potential. Impossible is temporary. Impossible is nothing."
                                                                                                         Mohamed Ali

domingo, 7 de novembro de 2010

Atenção, gravando!

- Jonatan, imagina se tua vida fosse parar no cinema, qual tipo de filme tu achas que as pessoas pagariam ingresso para ver?
Foi assim que Ariel, meu amigo portenho, convenceu-me a acompanhá-lo a Machu Pichu por uma via alternativa. Consideramos os fatores e decidimos que “nosso filme” ganharia mais aventura se renegássemos o trem convencional e assomássemos a pé até a antiga cidade Inca. Em vez de camarote, comes e bebes, iríamos por nossas pernas à prova pelos próximos cinco dias, agregando assim, um pouco mais de adrenalina ao roteiro final.
Isso ocorreu em fevereiro de 2007. Desde então, passei a acreditar que alguém invisível estaria me acompanhando com uma filmadora e gravando todas minhas ações. No final, tudo seria editado e lançado na forma de um longa-metragem. Como diretor geral e único roteirista, seria eu o responsável exclusivo pelo sucesso ou fracasso do filme.
Semana passada li em algum lugar a mesma apologia em relação ao filme das nossas vidas. O texto terminava com a mesma pergunta: “qual filme você acha que as pessoas gostarão de assistir?”. Ao reler a frase que tanto me inspirou alguns anos antes, reformulei meu pensamento:
- Não estou nem aí para os telespectadores!
Nenhuma decisão deve ser tomada pensando neles.Gostem ou não do meu filme, não devo nenhuma satisfação a nenhum patrocinador, inclusive, o financiamento do projeto é inteiramente meu, portanto, pouco me importa se alguém irá ou não ao cinema vê-lo. O mister é seguir meu instinto, a bilheteria é mera consequência. Oxalá que vá alguém!

sábado, 6 de novembro de 2010

Proclamación del Ejército Zapatista de Libertación Nacional (EZLN) - Chiapas/ México

[...] Y cuentan los más viejos entre los viejos de las comunidades que hubo un tal Zapata que se alzó por los suyos y que su voz cantaba, más que gritar: Tierra y Libertad! Y cuentam estos ancianos que no ha muerto, que Zapata ha de volver. Y cuentam los viejos más viejos que el viento y la lluvia y el sol le dicen al compesino cuándo debe preparar la tierra, cuándo debe sembrar y cuándo cosechar. Y cuentam que también la esperanza se siembra y se cosecha. Y dicen los viejos que el viento y la lluvia y el sol están hablando de otra forma a la tierra, que de tanta pobreza no puede seguir cosechando muerte, que és la hora de cosechar rebeldía. Así dicen los viejos. Los poderosos no escuchan, no alcanzan a oír, están ensordecidos por el embrutecimiento que los impérios les gritan al oído. “Zapata” repiten quedo los pobres jóvenes; “Zapata” insiste el viento, el de abajo, el nuestro.
                                                                   Subcomandante Marcos, agosto de 1993.

Caixão não tem gaveta

Há poucas coisas que desprezo mais do que aquelas mensagens encaminhadas por e-mail. Vocês sabem quais. Todo mundo já recebeu uma miríade delas, se não mais. Abrimos nossa caixa de entrada e lá estão. Pode ser uma sequência de slides, com imagens de flores e cachoeiras, com um fundo musical melancólico, contendo algum pensamento distorcido de um filósofo ou líder espiritual, ou talvez, na forma de um texto mal-escrito, cheio de erros gramaticais, com alguma liçãozinha de moral no final. A verdade é que essa febre já se alastrou por toda rede virtual e, o pior de tudo, é que tem pessoas, e não são poucas, fissuradas em praguejar esses vírus. Alguns devem estar se perguntando por que toda essa indignação. Não procurarei argumentar meu ponto de vista, nem usarei os muitos casos de plágio, de frases mal alteradas, de estatísticas equivocadas a meu favor, apenas vou reafirmar, eu não gosto e ponto. Na verdade, nem motivo teria para estar aqui escrevendo essas palavras. É só selecionar e excluí-las diretamente, nem precisa abri-las. Opa! Mas então por que todo esse circunlóquio? O que quero dizer, contudo não disse ainda, é que minha intenção não é convencer o caríssimo e paciente leitor que essas mensagens não valem o tempo desperdiçado. Essa introdução foi feita para me auto-contradizer. Sabe quando você xinga um jogador de futebol, chama o técnico de burro e pede para substituí-lo e, antes de subir a plaquinha indicando sua saída, ele vai lá, dribla três, chuta no ângulo e marca um golaço? Isso aconteceu exatamente comigo. Eu, que nunca leio esse tipo de e-mail, que sempre os mando para a lixeira sem pestanejar, resolvi abrir um. O título me pareceu sugestivo: “Viver ou juntar dinheiro?”. É possível que muitos dos que estejam me lendo agora, também o tenham recebido, mas, enfim, preciso reconhecer que foi dele que adveio minha inspiração para escrever essa crônica.
Alguém sabe quanto uma pessoa economizaria, em quarenta anos, se deixasse de tomar um cafezinho por dia? A quantia de 30 mil reais! Não me propus a fazer nenhum cálculo para comprovar a veracidade de tal número – assim estava no e-mail, estou somente reproduzindo-o, mas tomamo-o como sendo mais ou menos preciso. Pensei comigo mesmo, eu que tomo quatro pingados diariamente, estou abrindo mão, quando chegar aos quarenta anos, de comprar minha casa própria. E segui a reflexão para mais além. Se parasse de comprar livros, não os técnicos que necessariamente utilizo, mas os romances que leio simplesmente pelo fato de gostar, eu provavelmente poderia somar à casa, um carro novo na garagem. Se largasse a rotina de sair aos finais de semana para tomar aquela cervejinha com a galera, poderia agregar uma piscina no jardim e fazer uma viagem completa pela Europa.
E por aí vai. É possível, seguindo essa lógica suicida, cortar um trilhão de gastos ditos “supérfluos”. Se apertar o cinto pra valer, não tenho dúvida que uma pessoa consiga construir um castelo antes de falecer (deduzindo que tal sujeito morra de causas naturais aos 120 anos de idade). Tudo bem, exagerei! Talvez não um castelo igual àqueles dos filmes hollywoodianos, mas certamente uma réplica bem feita. Mas pergunto-lhes, quem seria o animal irracional que viveria toda uma vida privando-se de pequenos prazeres para quando morrer deixar um império para os herdeiros, ou, na falta desses, construir uma pirâmide faraônica para ser enterrado junto com seu tesouro? Conheço pessoas doentes, compulsivas pelo trabalho, que sacrificam quase tudo pela carreira profissional, outras que são assaz mesquinhas, chamadas popularmente de mão-de-vacas, que se atravessam um rio a nado segurando uma nota de dinheiro, esta chegaria seca à outra margem, porém, mesmo nesses casos, desconheço algum louco o suficiente para abnegar toda uma vida, pensando na riqueza futura que acumularia. Mas ninguém disse para sacrificar todos os prazeres da vida, no e-mail só mencionava o cafezinho. Como sou extravagante por natureza, achei conveniente expandir a análise. O que quero asseverar e, justiça seja feita, essa é a mesma conclusão que chega o autor da mensagem, é que são as pequenas coisas que dão sentido a nossa existência, ou em outras palavras, caixão não tem gaveta, não é assim que rege o ditado?

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O mundo ao revés

Catástrofes ambientais inéditas e cada vez mais descomunais, atentados terroristas, epidemias alarmantes, crises econômicas, aumento do desemprego, da miséria, da violência, das desigualdades sociais. A aventura histórica prova que a coexistência no mundo nunca não foi fácil, mas tampouco foi tão difícil como nos dias de hoje. O extremo passou a ser corriqueiro e a sobrevivência imediata motivo de preocupação diária. O pessimismo generalizado está imbuído em toda sociedade. A esperança, elemento fundamental que impulsiona toda atividade humana, por muito pouco não escapa da Caixa de Pandora e abandona o homem à mercê de sua própria sorte.
A era que se segue é marcada por uma complexidade paradoxal nunca vista anteriormente. Trava-se com extrema virilidade um embate entre duas forças antagônicas e assimétricas que tendem a se autodestruírem. De um lado, a presente lógica de expansão capitalista que impõe de maneira nefasta um padrão de vida e de consumo insustentável para os próximos anos. Por outro, um mundo agonizante, individualizado e mercantilizado em sua essência, que já não consegue estabelecer um equilíbrio entre homem e natureza. Ironias a parte, duas década antes Fukuyama proclamava “o fim da história”.
Nesse cenário sombrio e incerto, onde se violam os direitos humanos para, aparentemente, preservá-los, onde se destrói a vida para, aparentemente, defendê-la, o conceito de revolução emerge com sagacidade. Para Walter Benjamin, a revolução não era o motor da história; era o freio diante do abismo. É afirmar, que necessita-se de mudanças muito complexas e muito amplas, necessita-se reinventar a prática emancipatória com base numa nova civilização, que seja unificada; mas não uniforme, que seja igual; mas não idêntica, que seja desigual; mas não injusta. Já não basta tomar as rédeas do poder, é preciso transformá-lo, transformar as sociedades para que possam voltar a decidir o rumo de seus destinos.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Cotidiano

O despertador soou pontualmente as 6:00 horas da manhã e o marido levantou para mais um dia tipicamente cotidiano. Na ponta dos pés e ainda no escuro para não despertar a esposa que continuava dormindo ao lado, vai até o armário e pega seu terno. Apruma-se o mais rápido possível, pois sabe que nas sextas-feiras o trânsito até seu trabalho tende a ser mais caótico que o normal. Antes de descer até a garagem, passa na cozinha para tomar uma xícara de café amargo enquanto folheia o jornal matinal. Como de costume apenas fita as manchetes: no caderno econômico: “CPI irá investigar ato de improbidade administrativa”... “É sancionada lei que prevê aumento dos impostos cobrados sobre aposentadorias”; no político: “Senador indiciado por formação de quadrilha consegue Habeas Corpus”... “Gastos com campanhas políticas batem recorde no Brasil”. Resmunga em voz alta: - “sempre a mesma coisa, por isso o país não vai para frente”. Vai então direto para as páginas de esporte ciente que o show de horror havia terminado, mas suas expectativas foram frustradas novamente: “Camisa 9 é preso por envolvimento com o tráfico de drogas”, mais abaixo: “Briga em estádio envolvendo torcidas organizadas deixa dois mortos”. Cansado da hecatombe do jornal liga a televisão. O apresentador do noticiário anuncia os fatos ocorridos na última madrugada: “Achado recém-nascido em lixeira no centro da cidade”, “Motorista embriagado atropela idoso e foge sem prestar auxílio”, “Assalto em relojoaria acaba com três pessoas mortas”. Decide, então, mudar para o canal internacional: “Forças israelenses invadem Faixa de Gaza e deixam quinze civis mortos”, “Comandante condenado por crimes de guerra é extraditado para cumprir pena” “Grupo guerrilheiro toma embaixada, mata cinco funcionários e mantém diplomatas como reféns”. Por fim, desliga a televisão, pega sua maleta e olha para o relógio. Nesse momento a esposa levanta. Ainda de camisola vai em sua direção e diz: -”Bom dia amor”. Ele responde: -”Bom dia, sobrevivemos à noite passada”. Beija sua testa como se estivesse abençoando-a e sai em disparada, já estava atrasado. Da rua ela escuta uma voz distante: - “querida, não esquece de fechar bem todas as portas”. E assim começa mais uma dia normal em sua vida.

O mistério da vida está diante de você, basta comprá-lo.

Certa vez, fui à livraria olhar alguns livros. Não que quisesse comprar algum, mas, pelo simples fato de bisbilhotar. Prefiro sebos, mas como não havia nenhum por perto, e estava apurado, fui à livraria mesmo. Gosto de passear entre as estantes, puxar um exemplar aqui, outro acolá, ler a sinopse ou as primeiras páginas. Se me interessa, memorizo o título e espero alguma promoção para comprá-lo. Quando o assunto é literatura sou meio enjoado, chato mesmo. Sei que todos têm o direito à liberdade de expressão. Qualquer um pode escrever algo e, se quiser publicá-lo. Mas, sinceramente, há algumas coisas que eu não entendo. Ao passar em frente à sessão de livros sobre auto-ajuda – os meus preferidos, alguns títulos me chamaram a atenção: “Aprenda a ser Feliz”; “Dez mandamentos para quem quer ser bem-sucedido”; “O segredo da juventude”. Pensei comigo mesmo: “Ufa, a crise civilizatória terminou!” Aquelas dúvidas existenciais que assolam a humanidade desde os filósofos gregos da antiguidade, por fim, acabar-se-ão! Os mistérios da felicidade plena foram desvendados, posto que são iguais para todos. É como uma fórmula aritmética, você corta aquilo, acrescenta isso e, pronto, a felicidade está garantida. Basta seguir à risca os mandamentos sagrados que, indubitavelmente, qualquer que seja as circunstâncias, você será bem sucedido. Esse lance que tudo é relativo é balela, a lei geral rege que se você cumprir todas as regras estabelecidas, não tem erro, o sucesso lhe espera. Mas não existe felicidade completa, nem importa o quão bem-sucedido você for, se o camarada não se conservar eternamente jovem. E para que isso aconteça é muito simples, apenas exige alguns pequenos cuidados. Não é necessário mergulhar em um balde de formol, nem gastar rios de dinheiro com cirurgias plástica ou com aplicações de Botox, você, seguindo as instruções do livro, deve cuidar da alimentação, praticar, diariamente, alguma atividade física, zelar pelo bom uso do cérebro, sentir-se útil e bem consigo mesmo, ter um objetivo de vida, encarar os desafios que se apresentam, vencer seus próprios medos, entre outras pequenas coisinhas. Eis o mistério mágico. Seguramente, o investimento de R$ 122,78 é irrisório. Com a aquisição dos três volumes, você terá um manual infalível para ser feliz, bem-sucedido e jovem por toda sua vida. Mas, se seu problema for amoroso, não se desespere, por apenas mais R$ 51,00, você pode adquirir o magnífico guia “O que se deve fazer para alcançar o amor”.

O circomóvel

Eu, sinceramente, não entendo por que as pessoas teimam em preferir os automóveis. Muitos me disseram: é o meio de transporte mais rápido. Convenhamos, nessa loucura de vida moderna, onde o tempo é cada vez mais escasso, perder minutos preciosos no trânsito é realmente complicado. Mas, para que serve o planejamento prévio? Se eu sei que preciso estar em algum lugar em determinada hora, será que é impossível levantar 30 ou 45 minutos antes e ir para a parada de ônibus? Então, esse argumento só tem meia validade. É verdade que às vezes estamos apressados e, nesses casos, infelizmente, o ônibus não resolve nosso problema. Tirando a questão do tempo, que é relativa, há outros argumentos que corroboram em favor dos coletivos. Imaginem se as 40 pessoas que estão viajando decidissem cada uma, tirar seu carro da garagem. O trânsito que já é caótico nas grandes cidades tornar-se-ia, definitivamente, infernal. A poluição aumentaria, sonora e ambientalmente. Isso tudo sem falar no bolso do cidadão, pois é muito mais econômico pagar a passagem que bancar a gasolina ou o etanol consumido pelo automóvel. Há ainda o risco de acidentes, de eventuais multas, o trocado para o flanelinha, o seguro, a manutenção do óleo, a troca dos pneus, das pastilhas de freios, da bomba de gasolina, etc. A lista é longa e, decididamente, manter um carro rodando sai caro. Esses fatores que acabei de suscitar são, mais ou menos, consenso geral. Embora não optam pelo uso freqüente do ônibus, a maioria das pessoas tem consciência que a utilização do automóvel é mais cara, mais perigosa e mais daninha ao meio-ambiente. Entretanto, há uma coisa que poucos se atinam: o verdadeiro circo aberto que é andar em um ônibus.
Nunca sabemos quem sentará ao nosso lado. Muito possivelmente um rosto estanho e que ao descer no seu destino, continuará a nos ser estranho. Mas pode ser ao contrário. Falo isso por experiência própria ou por histórias verídicas de amigos meus. A pessoa que está ao seu lado, pode ser uma futura amiga, ou apenas uma boa parceria de mesa de bar, até quem sabe, se o destino for caprichoso, possa vir a ser uma namorada. Aconteceu com um amigo meu! Se nada disso acontecer, pode simplesmente render uma boa prosa até a parada final, isso por si só paga a viagem. O circo itinerário chamado ônibus, trata-se também de um espetáculo onde é possível escutar histórias engraçadas, tipo aquelas que contam os palhaços no picadeiro, ou dramas que de tão penosos e desafortunados, são também jocosos. Quero abrir um parêntese para relatar um diálogo entre duas comadres que presenciei há alguns anos quando me dirigia à universidade.
A senhora que aparentava ser mais velha, por volta dos seus 70 anos, comentou: “Maria, você não sabe a desgraça que se abateu sobre mim. Estou cada dia pior. Doem as pernas e aquela dor de cabeça voltou mais forte dessa vez. Já não consigo dormir bem, tomo três remédios e o martírio não acaba.” A outra responde: “Comadre, isso não é nada. Quem me dera se minhas aflições fossem só essas. Estou sofrendo com a pressão alta, fui ao médico e ele diagnosticou que tenho problema na tireóide, para piorar estou muito estressada. Meu caçula esta aprontando demais e não quer saber de estudar. Eu tomo seis remédios, diariamente, e minha aposentadoria quase não alcança tudo”. As duas simpáticas anciãs estavam competindo para ver qual era a vida mais sofrida. Cada qual pondo ênfase em sua tragédia. Quando uma desceu em frente ao mercado público, se despediu vociferando: “nos vemos sexta-feira no baile da terceira idade”. Enfim, a desagradável conversa de minutos atrás havia sido esquecida e ambas estavam dispostas novamente!
Após esse circunlóquio, continuo a minha defesa em prol dos ônibus. Eles, diferentemente dos automóveis, estimulam a coletividade. Os carros, egoístas e individualizados, isolam as pessoas e não permitem interação de qualquer natureza. Em tempos incertos, onde o amanhã parece distante, afigura-me pertinente essa questão. Afinal, um bom espetáculo circense sempre nos alegra a alma.
Por último, quero, através da minha humilde experiência de mochileiro, falar que aquele que se dispõe a tomar um ônibus, encontra-se em uma posição mais elevada que os demais usuários de carro. Ora, por ser mais alto, o coletivo permite uma visão panorâmica da cidade. Pode-se vislumbrar paisagens inusitadas, contemplar o nascer ou o pôr-do-sol, olhar os transeuntes de cima para baixo, perdendo-se nas mais diversas lucubrações. O circuito percorrido passa por ruas que normalmente, de automóvel, o sujeito nunca visitaria, privando-o assim de desbravar o próprio lugar onde mora. Se é grande a vantagem de se usar o transporte público frente aos particulares, por que teimamos em não fazê-lo? Comodismo, alguns apontarão, já outros, que o culpado é a lógica capitalista, que fomos condicionados historicamente a pensar e a agir individualmente. O debate dá pano para manga, mas isso já é assunto para o próximo texto.

Cem anos de vida

A cidade estava mergulhada em um silêncio lúgubre e intimidador. Lá longe se escutava a sirene de uma ambulância, ou seria de uma patrulha? O luar penetrava sorrateiramente pelas frestas da persiana. O tic-tac do velho despertador era o único som que ecoava pelo quarto. Áquela hora, passarinho já não mais cantava, gato não miava, telefone não tocava. Sob a cômoda repousava um copo vazio. Na cama, o homem remexia-se de um lado ao outro. O sono não vinha. Era noite de seu aniversário. Fez esforço para lembra-se de quantos anos estaria completando. Ah, 100 anos! E um sorriso tímido esculpiu-se em seu rosto. Nunca pensou que chegaria a essa idade, muito menos com tamanha lucidez. Se a saúde já não era a mesma, a cabeça nunca esteve melhor. Algumas falhas de memória, ora... isso eu tenho desde jovem, pensou. Naquela noite, em especial, estava feliz. São poucos que chegam a um século de vida. Orgulhava-se. Mas, não conseguia dormir. O corpo ainda frenético, as pernas cansadas, o quadril contraído, a boca seca. De súbito, tomou consciência. Ah, não é meu centésimo aniversário! Quantos anos serão? 70, 50,não, menos. 40 anos, claro! Tenho Certeza! De repente, um desdém preencheu seu coração. Já não estava feliz. Uma lágrima esboçou cair de seus olhos. Conteve-a por orgulho. Oscilando na vigia entre a sanidade e a insensatez, entregue às lucubrações, afundou sua calva cabeça no travesseiro. Dentro de poucos minutos o sono o alcançou e, por fim, pôde dormir. Não tardou muito para despertar. Eufórico e lutando contra as pestanas que teimavam em permanecer fechadas, sentou-se à beira da cama. Nesse momento, sentiu uma mão gélida repousar em seu ombro. Assustou-se. Uma voz doce que lembrava uma harpa sussurrou ao seu ouvido: Seu Antônio, esta na hora de tomar seu remedinho! Olhou confuso para a linda moça de branco. Daí, o estralo. Lembrara-se que estava no manicômio.